Recebemos constantemente perguntas sobre o melhor momento para fazer o desfralde das crianças. Como para este assunto não existe receita, escrevemos esse pequeno texto para ajudar a entender os sinais. Ainda mais importante que todas as informações, é observar cada criança amplamente, percebendo em que fase ela se encontra e o que ela já conquistou, tentando separar nossas expectativas e ansiedades de suas necessidades reais.
O controle dos esfíncteres, tradicionalmente, é tratado como um condicionamento que parte da vontade do adulto. Quando a criança completa 2 anos, em muitos casos antes disso, o adulto toma a decisão de coloca-la no vaso sanitário e determina um tempo de espera em que, eventualmente, a criança fará ou não xixi ou cocô. Em algumas situações, a criança realmente faz e, então, o adulto mostra toda sua alegria e aprovação. Se a criança não o faz, o adulto mostra seu desapontamento. Existem muitos psicólogos, pedagogos e médicos que acreditam em condicionamento e treinamento: nesse sentido, nossa abordagem é completamente diferente da tradicional.
Não é nosso objetivo que a criança tenha o controle
dos esfíncteres o mais cedo possível, mas sim que este processo aconteça
naturalmente, com calma e respeitando o tempo de cada criança. Não deve ser o
adulto a querer que a criança tenha o controle dos esfíncteres, deve partir da
criança a vontade, deve ser própria iniciativa. Para querer isso, ela precisa
ter maturidade motora, emocional, dos músculos esfíncteres, do sistema nervoso,
entre outras. O processo de retirada da fralda começa com a criança ainda
usando fraldas. Isso inclui a criança ver o pai e a mãe indo ao banheiro, ter
contato com outras crianças que utilizam o vaso sanitário e, principalmente,
ter autonomia ao fazer seus cuidados. Ao trocar a fralda das crianças, devemos,
em vez de distraí-las, incentivar para que participem ativamente, pedindo a sua
ajuda em todos os momentos (para tirar a roupa, para se limpar, passar a
pomada, colocar a fralda, etc.). Também é válido dizer frases como: - Vejo que
você fez cocô / xixi / que sua fralda está seca. Aos poucos, a criança começa a
perceber o que acontece em seu próprio corpo e dá sinais disso: ela mesma nos
avisará que precisa ser trocada.
Segundo a Abordagem Pikler, existem dois caminhos para o
desfralde. O C.E. (controle dos esfíncteres) Ativo e o C.E. Passivo.
No primeiro, é dado à criança o tempo que ela precisa para amadurecer
fisicamente e emocionalmente. Quando esperamos o tempo da criança, ela
rapidamente seguirá os passos abaixo, sem dificuldades e com alegria. No
segundo, o adulto decide para a criança que ela está pronta e, assim, a criança
assume uma postura passiva em relação ao processo. Quando feito dessa forma,
tiramos dela a grande oportunidade de ter autonomia, vontade e o real
sentimento de conquista.
C.E. ATIVO
- A criança reconhece a
necessidade
- Consegue parar a
brincadeira
- Vai ao banheiro
- Tira a roupa
- Faz o xixi ou cocô
- Veste-se
- Dá a descarga
- Lava as mãos
- Sai do banheiro O adulto
deve/pode estar ao lado para ajudar, mas é a criança que avisa ao adulto que
quer ir ao banheiro.
C. E. PASSIVO
- A criança passa o dia
sem fralda, mas é o adulto que precisa lembra-la do xixi/cocô, leva-la ao
banheiro e senta-la no vaso. O adulto passa o dia lembrando e perguntando à
criança se ela quer ir ao banheiro.
INDÍCIOS DE QUE A CRIANÇA ESTÁ PRONTA:
- Verbaliza a vontade de
tirar a fralda, de usar calcinha/cueca
- A criança consegue
vestir-se sozinha
- Refere-se a si mesma na
primeira pessoa “eu”
- Dá sinais de que vai
fazer cocô ou xixi, por vezes mostra-se incomodada, pede para ser trocada mesmo
quando a fralda está limpa
- Mostra autonomia em tarefas diversas ligadas a sua rotina diária (item mais significativo).
Por volta dos 3 anos, a criança começa a referir a si
mesma usando a palavra “eu”, o que mostra uma primeira percepção de que há uma
parte do mundo que sou “eu” e outra que não faz parte de mim, está fora,
separada. Começamos a verificar uma primeira separação entre a criança e o
mundo. Agora, a fralda suja passa a incomodá-la e ela solicita ao adulto que
troque suas fraldas, mostrando que tomou consciência do que acontece em seu
corpo. Aos poucos, começará a sentir o momento em que fará cocô e xixi. Após
algum tempo desenvolvendo esta sensação, percebendo suas necessidades, estará
pronta para o desfralde.
Acreditamos que, quando uma criança é forçada a sentar no
vaso antes de estar pronta, exigimos dela que exerça controle sobre um corpo ainda
desconhecido, não completamente habitado. Por isso, é comum ver as crianças
começarem a dizer “não” para outras situações, criando uma espécie de guerra em
que passa a não colaborar com o adulto nas tarefas mais corriqueiras. Embora
muitas crianças demonstrem êxito ao serem submetidas a treinamentos, preferimos
partir do pressuposto de que, quando oferecemos um desafio em seu momento
adequado, ou seja, sem acelerarmos os processos, temos a possibilidade de atuar
em conjunto com a criança, a partir dela, das necessidades que se apresentam e
de sua prontidão. Só com essa parceria podemos então substituir
"treinamento" por "educação".
Respeitando as conquistas que já fez e as conquistas que não fez, acreditando que as fará a seu modo e a seu tempo, garantimos que a criança se resolva. Quer dizer: não tomamos a decisão de que está na hora dela se sentar no vaso sanitário, deixamos que ela sinta seu corpo, perceba o que faz parte dele e o que não faz, deixamos que, naturalmente, surja a consciência do corpo e a vontade de estar no controle dele. Com paciência e confiança, a criança vence sozinha o desafio, guardando inconscientemente o sentimento de que é capaz.
O processo do C.E. demora, em média, 9 meses desde o
primeiro momento em que a criança mostrou interesse até o momento em que ela
apresenta total controle. O desfralde começa com a criança mostrando algum
interesse ou dando alguns sinais, mas isso não quer dizer que está na hora de
tirar a fralda. Isso quer dizer que o processo começou. O adulto deve
observar e esperar até que a criança determine, por iniciativa própria, que não
precisa mais usar a fralda para suas necessidades. Quanto mais a criança está
pronta para começar o desfralde no seu tempo, mais rápido e mais tranquilo será
o processo, tanto para ela, quanto para seus pais.
O processo do C.E. não é LINEAR e pode haver momentos
de retrocesso. (recaídas). Devemos, então, dar um passo atrás e CONFIAR.
Quando observamos que a criança não está pronta, está no processo passivo do
C.E., devemos parar e dar um passo atrás (voltar a colocar a fralda). Porém,
tal atitude não é recomendada, pois mostra à criança, através da decepção
(mesmo que inconsciente) dos pais, que ela não foi capaz de concluir esta
etapa. Isso faz com que ela fique com uma baixa autoestima neste quesito e pode
ser que ela demore para confiar em si mesma novamente. Não devemos exigir mais
da criança do que ela pode nos dar. Diversos problemas emocionais e físicos
podem surgir na fase adolescente ou adulta de uma criança que não teve seu
tempo respeitado durante esse processo.
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